30 de Abril de 2025
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Como a “junk food” engana os nossos cérebros – escondendo-se nas nossas memórias
2025-04-29

Novos estudos revelam que as memórias de alimentos gordos e açucarados ficam codificadas no hipocampo, o que ajuda a explicar por que razão parece impossível resistir a alguns desejos alimentares.

Tiffany Nieslanik e Heather Willensky, The New York Times/ Redux
 
Os desejos alimentares podem parecer impulsivos, mas novos estudos sugerem que estão frequentemente enraizados na memória. Os cientistas descobriram que o cérebro codifica os alimentos altamente calóricos de uma forma que pode influenciar silenciosamente aquilo que comemos – mesmo quando não temos fome.
 Na próxima vez que se lembrar de que tem um chocolate numa gaveta da secretária, o seu cérebro poderá não estar apenas a lembrar-se do chocolate, mas a tentar activamente obrigá-lo a ir buscá-lo.

Um estudo recentemente publicado na Nature Metabolism sugere a existência de uns neurónios específicos no hipocampo que mantêm um registo dos pormenores sensoriais e emocionais dos alimentos ricos em calorias. Em experiências realizadas com ratos, estes neurónios desencadearam desejos alimentares, levando-os a comer em excesso, mesmo quando os animais não tinham fome. Quando os investigadores silenciaram esses neurónios, os roedores diminuíram a sua ingestão de açúcar, evitando assim a obesidade induzida pela alimentação.

“Todos os animais precisam de comer, por isso sentimos impulsos de fome que nos ajudam a sobreviver”, afirma Guillaume de Lartigue, membro associado do Monell Chemical Senses Center e co-autor do novo estudo. Tradicionalmente, os cientistas distinguiam entre a fome metabólica – a necessidade de energia do corpo – e a fome hedonista, que se manifesta quando os alimentos têm um aspecto ou cheiro tentador. No entanto, este novo estudo acrescenta uma terceira camada: fome causada pela memória.

Embora a investigação tenha sido realizada com animais, corrobora um crescente corpo de evidências segundo as quais as memórias da gordura e do açúcar podem moldar, silenciosamente, o nosso comportamento alimentar – frequentemente, sem que tenhamos consciência disso. E, num mundo onde os alimentos altamente calóricos estão por toda a parte, esses padrões neuronais podem ajudar a explicar por que razão parece impossível resistir a alguns desejos alimentares.

Por que MOTIVO os nossos cérebros não conseguem fazer frente à junk food

O trabalho de qualquer organismo é perceber como navegar no seu ambiente e fazer as melhores escolhas para obter alimento, diz Dana Small, psicóloga, neurocientista e Investigadora de Excelência do Metabolismo e do Cérebro do Canadá (Canada Excellence Research Chair in Metabolism and the Brain).

Segundo Small, nos primórdios da história humana, quando as calorias eram escassas, aprendemos a recorrer a pistas sensoriais – olfacto, visão e localização para identificar alimentos ricos em energia. Depois de comermos, o cérebro armazena essa informação, juntamente com a forma como a comida nos fez sentir, criando uma “base de dados mental” de sabores e dos seus efeitos. Basicamente, quando comemos, estamos, subliminarmente, a integrar os mundos interno e externo – que é exactamente a memória”, diz Small.

Estes sinais influenciam a libertação de dopaminanas vias de recompensa do cérebro. Em seguida, o cérebro actualiza o valor de um alimento, com base nesta informação, e usa esses dados quando voltamos a encontrar o sabor. Por isso, na vez seguinte que passamos por uma padaria, por exemplo, esse registo interno, ou memória, activa-se, desencadeando um desejo alimentar.

O estudo de Monell também descobriu que as memórias da gordura e do açúcar são armazenadas através de vias diferentes, mas ambas resultam na libertação de dopamina. Embora a maioria dos alimentos contenham gordura ou hidratos de carbono, os alimentos ultra-processados contêm ambos. Alimentos que juntam esses macronutrientes podem activar ambas as vias em simultâneo, como se verificou nos ratos do estudo, desencadeando, potencialmente, uma resposta ampliada da recompensa, o que pode ajudar a explicar por que razão é difícil resistir a esses alimentos.

No mundo actual, este tipo de alimentos altamente calóricos, contendo esta poderosa combinação, existem por toda a parte e são de fácil acesso, oprimindo os sistemas de tomada de decisões do nosso cérebro e fazendo com que seja mais difícil escolher opções saudáveis.

A boa notícia é que o cérebro é adaptável. Tal como aprende a desejar determinados alimentos, também pode aprender novas respostas, diz Amy Egbert, professora assistente de ciências psicológicas na Universidade do Connecticut. O primeiro passo é identificar a causa dos desejos alimentares. Será fome, emoção ou outra coisa?

Depois de compreender o gatilho, poderá começar a desaprender o circuito do desejo alimentar. É aqui que as abordagens terapêuticas entram em cena. “As terapias de exposição e as técnicas cognitivas são das ferramentas mais eficazes de que dispomos”, diz Egbert. Estes métodos podem ajudar indivíduos a desmontar a forma como desenvolveram determinadas relações com a comida e a reprogramarem as suas respostas ao longo do tempo.

Small concorda que a terapia de exposição pode ser útil, mas diz que não se aplica de forma genérica aos sabores. Cada sabor tem de ser abordado de forma individual, tornando o processo trabalhoso. Ela acrescenta que medicamentos como os agonistas dos receptores do GLP-1 – incluindo o Ozempic – parecem promissores na diminuição dos sinais de recompensa libertados pelo cérebro depois de comer. “Conseguem reduzir o condicionamento, reduzir a libertação de dopamina e ajudar a reduzir os desejos alimentares no cérebro”, diz Small.

No entanto, devemos ter em conta que, embora estes medicamentos possam gerir o apetite a curto prazo, não resolvem a raiz do problema que leva alguém a comer em excesso. “É fantástico termos um fármaco que diminui isso, porque ajuda-nos a gerir a nossa ingestão de alimentos. Mas, quando paramos de tomá-lo, o problema subjacente ainda lá está”, diz Lartigue.

Enquanto os investigadores ainda estão a explorar a forma exacta como estes medicamentos afectam os sistemas de recompensa e de memória do cérebro, o melhor é focarmo-nos em como e por que razão comemos aquilo que comemos e examinarmos sobre essas questões, a par das intervenções farmacêuticas.

Como programar o cérebro a resistir à junk food

O estilo de vida contemporâneo faz com que seja particularmente difícil resistir aos desejos alimentares. As nossas vidas quotidianas funcionam contra nós – em muitos casos, não temos recursos, seja tempo ou dinheiro, para preparar uma refeição mais saudável que seja igualmente deliciosa para os nossos sistemas. Para complicar ainda mais as coisas, o cérebro pode formar uma memória alimentar após uma única exposição, fazendo com que seja praticamente impossível resistir a um desejo alimentar.

Mesmo assim, Lartigue crê que o simples facto de sabermos que a memória pode desencadear a ingestão de alimentos é importante. “O conhecimento de que a própria memória é um gatilho para comer em excesso, pode ajudar-nos a mudar o nosso comportamento. Muitas destas coisas são subconscientes, por isso, se ganharmos consciência delas, poderemos interromper o ciclo da memória e dos desejos”, afirma.

Os desejos alimentares podem parecer impulsivos ou permissivos, mas devem-se frequentemente a esquemas neuronais profundamente enraizados. Quanto melhor compreendermos esses padrões, mais probabilidades teremos de conseguir reformulá-los – e recuperarmos o controlo sobre aquilo que comemos.

Fonte: National Geographic

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