Só cerca de 10% das doenças com origem alimentar é que são notificadas.
É a Organização Mundial de Saúde que o revela, após a realização de um estudo nos países desenvolvidos em que concluiu que os números estão muito aquém da realidade.
A situação é tanto mais preocupante quanto se sabe que a maioria deste tipo de toxinfecção tem origem na ingestão de ingredientes contaminados, más condições higio-sanitárias e manipulação inadequada de alimentos.
Portugal não foge à regra.
De acordo com técnicos de saúde pública, a subnotificação da doença acontece porque os portugueses já se habituaram a "autocontrolar tais indisposições ora com chás, ora com dieta", dizem.
Os próprios clínicos raramente notificam os casos isolados, optando por o fazer só em situações de dimensão mais grave ou surtos.
Mas, em 2003, só no distrito de Lisboa, as salmoneloses, um dos microrganismos mais detectado nas análises aos alimentos que estão na origem de toxinfecções graves, correspondiam a 6% das doenças de notificação obrigatória, das quais se destacam febre tifóide, shigelose, botulismo, hepatite A, etc.
Em 2004, aquela percentagem atinge os 9%.
Nos últimos anos, tanto as salmoneloses como o estafilococos, esta última também uma bactéria frequentemente detectada nas infecções alimentares, foram registadas como as situações que provocaram maior acorrida aos serviços de urgência e de internamento.
Para Elsa Soares, do Centro Regional de Saúde Pública de Lisboa, "as doenças de origem alimentar, em especial as que são provocadas por microorganismos patogénicos, são um problema de saúde pública que pode atingir dimensões graves".
“ Este tipo de infecção pode ter origem viral, bacteriana ou parasitológica, e qualquer uma delas ser contraída por contaminação alimentar ou de água.
As situações virais são as que normalmente causam menos problemas e que mais facilmente se conseguem controlar.
São autolimitadas.
O que já não acontece com as bacterianas, que podem atingir outras dimensões, recurso a ajuda médica e até a internamento.
Tudo depende do microrganismo em causa. As parasitológicas são as mais graves"
A solução é prevenir.
A solução para diminuir o impacto deste tipo de infecção parece estar apenas na prevenção, através de medidas reguladoras do sector comercial, de maior vigilância e mais formação dos manipuladores.
"Há um défice muito grande na formação de quem lida com produtos alimentares e isso faz com que estejamos sempre a correr riscos", alerta Elsa Soares.
E sublinha "É preciso não esquecer que as fontes de contaminação mais frequentes são produtos contaminados, más condições higio-sanitárias ou de conservação e manipulação de alimentos."
Por exemplo, "quando se está a trabalhar um alimento já confeccionado não se pode utilizar o mesmo utensílio num produto fresco ou cru, pois isso implica a passagem de microorganismos e uma contaminação cruzada.
O mesmo acontece com a refrigeração e conservação de alimentos, quando estes acabam de ser cozinhados devem ser colocados no frio para não perderem características.
No entanto, o senso comum tem como dado adquirido que a temperatura ambiente é a ideal para que os produ- tos confeccionados possam arrefecer.
"O frio não estraga. O frigorífico é que gasta mais energia", explica.
Espirro pode contagiar
A técnica de saúde pública defende que os manipuladores quando registam doenças diarreicas, amigdalites, constipações ou hepatites não devem estar em contacto com os alimentos. "São fontes de contágio privilegiadas, por via oral.
O espirro ou a tosse podem provocar o contágio dos alimentos.
O mesmo se diz em relação à pastilha elástica.
Quem cozinha em restauração não deve poder confeccionar com pastilhas na boca, deve usar sempre fardas e os cabelos protegidos", sublinha.
Acrescentando "Uma coisa são as nossas casas e o cozinhar para duas, três ou quatro pessoas - mesmo assim, às vezes, há problemas -, outra são as cozinhas industriais, onde os cuidados têm que ser redobrados."
Como diz Elsa Soares, não há risco zero na alimentação.
Mas há situações que se podem evitar.
Tudo depende da consciência dos manipuladores.
O consumidor, por sua vez, "deveria tornar-se mais exigente", diz.
Embora perceba que nem sempre seja fácil provar o que pode ter estado na origem de uma infecção para se apresentar queixa.
"Torna-se difícil ao consumidor poder dizer com segurança que foi isto ou aquilo.
Até porque a urbanização e os novos estilos de vida levam-nos a comer fora uma a duas vezes por dia."
Por isso, o secretário-geral da Deco defende que os comerciantes deveriam ser obrigados a afixar os resultados das inspecções a que são sujeitos e com que periodicidade.
Fonte: Diário de Notícias