Portugal até teve a primeira central de dessalinização por osmose invertida na Europa, mas a aposta ficou por aí. Associação ambientalista ZERO admite que possa ser uma das alternativas, mas a prioridade deve ser o combate ao desperdício de água. Ex-secretário de Estado Pedro Sampaio Nunes defende que aproveitar água do mar é, “decididamente”, uma aposta a fazer.
E se a seca em Portugal for combatida com água do mar? Face à situação de seca no país, a solução poderá passar pela dessalinização da água do mar? O processo não é novo e já utilizado em mais de 15 mil centrais de dessalinização no mundo.
Este tipo de aproveitamento da água do mar verifica-se, sobretudo, em zonas áridas do planeta, como no Médio Oriente, região que concentra quase metade das unidades de dessalinização. Mesmo aqui ao lado, em Espanha, já existem mais de 700 unidades deste género.
Segundo Pedro Sampaio Nunes, ex-secretário de Estado da Ciência e Inovação, esta é, “decididamente”, uma aposta a fazer. “Se o fazem em Israel, se o fazem numa série de países no Médio Oriente, não há razão nenhuma para não fazerem aqui também”, sublinha o engenheiro civil, em entrevista à Renascença.
Segundo o World Resources Institute (WRI), o território português encontra-se em níveis preocupantes de “stress hídrico”, isto é, quando a procura de água é superior àquela que está disponível num dado momento. A maioria do país apresenta um risco “médio-alto”, mas regiões como o Alentejo e o Algarve já ultrapassam o limiar do risco “extremamente elevado”.
Até 2040, as previsões do mesmo instituto apontam que a quase totalidade de Portugal esteja, no mínimo, sob risco elevado de stress hídrico. Face às perspetivas atuais e futuras, Sampaio Nunes admite ser “evidente” que se apostem em soluções como a dessalinização.
Em Portugal existe apenas uma unidade, na ilha de Porto Santo, estando prevista a construção de uma segunda central no Algarve. Em declarações à Renascença, Sara Correia, da associação ambientalista ZERO, admite que a “dessalinização é mais uma opção”, mas que o investimento neste processo deve ser ponderado, principalmente devido aos custos energéticos “elevadíssimos”, “muito superiores aos custos associados à captação de água doce superficial”.
Ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o Algarve, uma das regiões mais afetadas pela seca, vai receber cerca de 200 milhões de euros para combater o problema. Deste orçamento, 45 milhões serão destinados ao projeto de dessalinização.
A unidade vai ser capaz de produzir oito milhões de metros cúbicos de água potável ao ano, podendo atingir os 16 milhões, posteriormente. Face às exigências financeiras e à capacidade produtiva da eventual central, Sara Correia diz que “não se justifica um investimento desta envergadura”.
De acordo com a engenheira do ambiente, a água potável a produzir pela unidade está longe, por exemplo, dos 174 milhões de metros cúbicos de água desperdiçados anualmente em Portugal: uma quantidade 20 vezes superior.
“Portanto, temos aqui que estabelecer prioridades, não é? Ou seja, no fundo, ser mais eficientes no consumo que estamos a fazer atualmente dos nossos recursos hídricos, seja no setor urbano, seja ao nível agrícola”, realça a representante da associação ZERO.
Sara Correia frisa que, antes de enveredar pela dessalinização, o país tem de “procurar fazer uma gestão mais detalhada e mais cuidada dos recursos hídricos”. “Nós ainda temos muito trabalho a fazer, por exemplo, na área da reutilização da água residual. Neste momento, estamos a reutilizar pouco mais de 1% dessa água”, sublinha.
No entanto, Sampaio Nunes insiste que são obstáculos ultrapassáveis. O engenheiro civil mostra-se otimista perante aquilo que será um “excedente das energias renováveis” que poderá abater os custos energéticos da dessalinização.
Por outro lado, o ex-diretor das Novas Tecnologias de Energia e das Energias Convencionais da Comissão Europeia aponta que os possíveis danos ambientais têm solução preconizada: “A própria salmoura pode ser utilizada industrialmente. Parte pode ser devolvida ao mar, desde que devidamente diluída e distribuída”.
A central dessalinizadora do Porto Santo até foi a primeira da Europa – quinta do mundo – a usar a técnica de osmose invertida, mas o investimento português ficou por aí. A tímida aposta do país nesse processo é natural para Sara Correia, uma vez que, “normalmente nós não temos secas como a que estamos a viver, tão prolongadas”. Além disso, Portugal foi sempre dispondo das suas reservas de água doce.
Caso o futuro passe pela dessalinização, a engenheira do ambiente reforça que esta forma de captação de água potável será insuficiente para responder às “grandes quantidades” exigidas pela agricultura. Contudo, não descarta a sua utilidade para consumo humano.
Portugal está a viver uma situação extraordinária de seca, que já motivou vários municípios a tomarem medidas na poupança de água. Segundo estimativas da União Europeia, este período de seca “fora do habitual” no país deverá arrastar-se até novembro.
Fonte: CONFAGRI