Em Portugal testa-se um sistema de rega gota a gota adaptado ao arroz e ao tipo de terreno. Cultivar arroz sem alagamento, rentável e sustentável, será uma revolução. O Jornal Económico esteve nos campos de demonstração da Agroglobal em Almeirim e viu como o futuro chegou mais cedo pela mão da ciência e da tecnologia.
Os fascinantes espelhos de água límpida, que em semanas dão lugar aos longos mantos em vários tons de verde e servem de poiso e alimento às elegantes garças dos arrozais de Alcácer do Sal, não se confundem com este banal campo, também ele verde, em Almeirim.
A orizicultura no estuário do Sado é uma cultura de regadio, de solo submerso. O chão que pisamos na secular Quinta da Alorna, no Ribatejo, é arenoso e seco. Mas algo está a mudar.
“Instalámos um sistema de rega gota a gota adaptado à cultura do arroz e ao tipo de terreno”, conta-nos Frederico Teixeira, responsável pelo desenvolvimento de campos de demonstração da Agroglobal.
Os campos, uma vitrina da inovação agrícola em Portugal, hoje estão à pinha de agricultores e jornalistas que os visitam no âmbito da 10.ª edição da Agroglobal. Após mais um telefonema, o nosso guia, um charmoso engenheiro zootécnico de 52 anos, retoma a explicação: “Aquilo que estamos a fazer é cultivar arroz num solo diferente e com uma tecnologia de rega diferente. A terra é arenosa e regada gota a gota, como acontece com qualquer outra cultura”.
A partir do seu smartphone, Frederico Teixeira, nascido na Nazaré e formado na Universidade dos Açores, sabe tudo o que se passa naqueles hectares à frente e nos outros que ficaram para trás. Fará prova disso ao Jornal Económico.
Viajamos num todo o terreno por 80 hectares património da Quinta da Alorna, mas que a Agroglobal explora nesta edição do certame. Dos dois lados da Nacional 118, mostram a céu aberto, as práticas inovadoras que juntamente com empresas suas parceiras no projeto estão a desenvolver para as culturas do milho, tomate, batata, batata-doce e arroz.
E é neste último que a conversa ainda recai.“o grande desafio é mesmo conseguir produzir arroz numa terra que até pode ser inclinada”, afirma.
Em Alcácer do Sal, o maior produtor de arroz do país com os seus cerca de seis mil hectares de arrozais, a planura é também um elemento definidor.
O objetivo deste projeto alvo de ensaio pela Agroglobal é mostrar que “é possível e viável” produzir arroz em terrenos não convencionais para o cultivo tradicional da cultura do arroz, fora dos perímetros junto aos rios, e com redução de custos operações. A produtividade é de facto um senhor desafio. “Tenho ideia que há-de ser entre as quatro e as seis toneladas por hectare (ha). O nosso objetivo era chegar às oito”, aponta-me o anfitrião.
Cá, a tecnologia em teste não está adotada, até ao momento, por nenhum agricultor. Os resultados ditarão muita coisa. Se der certo, será uma boa notícia para o maior consumidor de arroz da Europa. Com mais de 18 kg/ano per capita, Portugal apresenta um valor quatro vezes superior à média da União.
Milho rei
Além do arroz sem alagamento, que poupará milhares de litros de água por hectare, o milho em linhas pareadas é outra inovação da ciência e da tecnologia. Quer-se aumentar a eficiência da rega e reduzir a utilização de fertilizantes.
O milho é protagonista da Agroglobal desde a primeira edição. O amarelo das maçarocas brilha no sol de Almeirim.
A Bayer, multinacional alemã, apresenta aqui um sistema de cultivo revolucionário baseado numa nova geração de híbridos de milho, os chamados “Smart corn”. O Preceon, assim se chama, engloba também “soluções digitais e um serviço agronómico diferenciado que visa ajudar os agricultores a mudar o cenário da agricultura”. Apenas três países – Estados Unidos, Itália e Espanha – tiveram, até à data, a honra de o conhecer.
A sua baixa estatura – 30% menos do que o tradicional, permite-lhe resistir melhor aos ventos fortes e diminui-lhe o risco de queda. O sistema de enraizamento profundo garante-lhe melhor acesso aos recursos hídricos e absorção de nutrientes. Ao agricultor facilita tarefas como rega, fertilização e tratamentos fitossanitários.
“O potencial de rendimento é de 1 tonelada/hectare em grão e 2 toneladas/hectare em silagem, em comparação com o milho convencional”, ouvimos dos responsáveis da Bayer. Nós e a comitiva de visitantes no terreno, que incluía um muito atento José Manuel Fernandes, ministro da Agricultura e Mar.
A Agroglobal desafia nesta edição também produtores de batata, de batata-doce e de tomate. Com a sua rama rasteira, a batata-doce ocupa a área mais pequena no chão de Almeirim. Mas é para os tomateiros que os olhos se viram agora. Não comportariam nem mais uma unidade milimétrica. Destinam-se à indústria. Frederico Teixeira diz que a rentabilidade do tomate ronda as 100 toneladas/ha, número que conta em muito ultrapassar, aqui. A produção em Almeirim está estimada em 150 toneladas/ha. É pão para a boca de quem produz. Explica :“Nos últimos anos, todos os fatores de produção aumentaram várias vezes: a água, a eletricidade, a mão de obra, os herbicidas, os seguros… mas o agricultor continua a receber os mesmos 17 cêntimos por quilo”. Não aprofundaremos o mistério, pelo menos, não aqui. “A agricultura é uma atividade económica e só funciona se for rentável. Acontece que nenhuma outra atividade tem tanto risco e as empresas precisam melhorar a rendibilidade”, conclui.
É em nome desse bem maior e de um não menor – dar de comer às pessoas – que esta revolução está a ser feita. Não só aqui, mas também aqui, na outra margem do Tejo, onde se chega atravessando a ponte Salgueiro Maia, junto ao vale de Santarém. É Verão, mas o céu está abafado e há salpicos de chuva. Qualquer agricultor a terá abençoado.
Fonte: Jornal Económico