A ligação de Campilhas ao Alqueva é como pão para a boca dos agricultores da região do Alto Sado, uma terra fértil que aguenta várias culturas. Esta barragem no concelho de Santiago do Cacém é uma das mais antigas de Portugal e tem sido uma das mais afetadas nos anos mais recentes.
A televisão deu a conhecer Campilhas em 2022, quando, após anos de seca, a sua albufeira atingiu o nível mais baixo do país. O problema está identificadíssimo, mas, por alguma razão, a barragem não figura no documento “Água que Une”, ou, pelo menos, não figurava no documento inicialmente entregue aos agricultores e que esteve em consulta pública.
Campilhas é uma das 59 medidas específicas para o regadio que valem 500 milhões de euros e que devem ser incluídas na estratégia nacional da água, revela José Núncio, presidente da Federação Nacional de Regantes de Portugal (Fenareg), ao Jornal Económico.
“Detetámos em falha uma série de empreitadas, de ações concretas que não estão previstas, pelo menos, no documento inicial”, justifica.
Disto mesmo deu conta ao ministro da Agricultura e Mar, José Manuel Fernandes, e aos responsáveis pela elaboração da estratégia “Água que Une” – liderada pelo professor universitário e antigo presidente da Câmara de Lisboa, Carmona Rodrigues – que acorreram ao debate sobre investimento, financiamento e sustentabilidade do regadio em Portugal, que a Fenareg promoveu em parceria com a Agro.Ges – Sociedade de Estudos e Projectos e a sociedade de advogados VdA – Vieira de Almeida, esta quarta-feira, no âmbito da Agroglobal 2025, no CNEMA, em Santarém.
Outras falhas identificadas? “Algumas obras importantes de reabilitação de regadios antigos. Nos últimos anos tem-se apostado muito no Alqueva, mas a verdade é que os regadios têm todos mais de meio século e precisam ser reabilitados, de modo a responder às necessidades atuais dos agricultores e aos objetivos que estes têm ao nível dos projetos de eficiência”, explica José Núncio ao JE.
São várias ligações previstas e consideradas fundamentais, sobretudo nos rios Mondego, Sorraia e na Lezíria do Tejo. “Há locais em todos os rios que praticamente tem obras a reabilitar que vão para além das verbas que são inscritas nesta primeira versão da estratégia nacional. Julgo que todos estarão inscritos na “Água que Une”, mas a estratégia não cobre todas as necessidades identificadas por cada um destes aproveitamentos”, acrescenta.
A estratégia do Governo foi apresentada há cerca de seis meses e os regantes saúdam-na e aplaudem-na, mas consideram que é urgente que vá para o terreno. Não se pode esperar mais! A larga maioria dos projetos que a Fenareg identifica como tendo ficado de fora, está pronta para avançar, com estudos feitos e financiados pelo PDR 2020, mas continua sem perspectiva de execução.
Em Portugal, a agricultura é responsável por 73% do total da utilização da água. O número é expressivo, como expressiva é a perda de 80% da água superficial todos os anos, num contexto de alterações climáticas.
Isto acontece porque não temos barragens suficientes para a armazenar, salienta José Núncio. Não há tempo a perder, alerta, até porque os tempos que aí vêm só farão aumentar as clivagens entre dois mundos muito diferentes em termos das necessidades de água: o norte e o sul da Europa. País mediterrânico, Portugal tem obrigatoriamente de olhar para este recurso, para a resiliência hídrica.
No financiamento europeu também surgem nuvens trazidas pela reforma da Política Agrícola Comum (PAC). “Houve alturas, no passado, com muito mais disponibilidade do que julgo será de agora em diante. Perderam-se oportunidades”, diz José Núncio.
No horizonte vislumbram-se desafios que vão para além da alimentação, salienta. Hoje, é a defesa. Amanhã, porventura, será, a saúde. Ou outra qualquer área. Nada está adquirido.
Fonte: Jornal Económico