As vinhas mediterrânicas estão numa região sensível às alterações climáticas. Os climatologistas estão a ajudá-las na adaptação.
Desde o possível desaparecimento da casta Merlot em Bordéus até à perda de oliveiras no norte de África, os impactos das alterações climáticas serão sentidos pelos agricultores de toda a região mediterrânica, dizem os climatologistas.
Para ajudar os produtores agrícolas da região a lidar com a mudança dos padrões climáticos, e a tomar agora, decisões estratégicas para o futuro, os cientistas estão a investigar novas técnicas de cultivo, e a criar previsões climáticas.
A Bacia Mediterrânica - incluindo os países do Mar Mediterrâneo - é uma região sensível às alterações climáticas. Está a experienciar aumentos de temperatura superiores à média e pode sofrer grandes perdas de pluviosidade nas próximas décadas.
Os viticultores estão entre aqueles que já sentem os efeitos.
"As alterações climáticas não são apenas uma coisa do futuro, estão a acontecer agora. Vemos um aumento das temperaturas médias, e isto já tem impacto na viticultura", diz Josep Maria Solé Tasias, coordenador do VISCA, um projeto que desenvolve previsões e técnicas de poda para ajudar as vinhas a adaptarem-se às alterações climáticas.
As temperaturas mais elevadas fazem com que as uvas amadureçam demasiado cedo, antes de os aromas se poderem desenvolver completamente. "Isso preocupa muito as adegas", disse Solé Tasias, que é engenheiro civil na Meteosim SL, uma empresa espanhola de serviços de meteorologia.
No sudoeste de França, as famosas castas Merlot e Sauvignon blanc da região de Bordeaux deverão ser vítimas das alterações climáticas, pelo que os viticultores da região estão a testar castas mais resistentes usadas na Europa do Sul e Oriental.
Outra solução é encontrar terrenos em locais mais a norte ou mais frios para plantar estas castas no futuro.
Mas os pequenos produtores terão dificuldade em fazer investimentos tão grandes, diz Solé Tasias. Nesse sentido, o projeto VISCA tem vindo a testar algumas técnicas agrícolas inovadoras para ver se conseguem minimizar os danos.
Estes incluem a "imposição da cultura", que envolve a poda das videiras para que as uvas amadureçam mais tarde na época de crescimento, quando as temperaturas já forem mais baixas. Mas decidir a melhor altura para podar é difícil: podar demasiado cedo ou demasiado tarde na época de crescimento tem impacto na colheita.
Previsões
O projeto VISCA desenvolveu previsões sazonais que estão a ajudar os agricultores a avaliar os melhores momentos para aplicar estas técnicas. Utilizam dados detalhados sobre a vinha - incluindo localização, tipo de solo, e casta - para estimar quando as videiras irão produzir os rebentos ou quando as uvas irão amadurecer, bem como prever temperaturas e níveis de precipitação.
Mas ao contrário das previsões meteorológicas a curto prazo, que podem prever com precisão se haverá geada ou sol quente, as previsões sazonais de até seis meses são muito menos rigorosas. É difícil saber como utilizá-las para tomar de decisões, afirmou Solé Tasias.
"Os agricultores neste momento não sabem exatamente como utilizá-las - estão habituados a tomar decisões a curto prazo", prosseguiu.
Uma previsão sazonal poderia, por exemplo, dizer que há 60% de probabilidade de haver um verão particularmente quente. Se um agricultor atrasar a maturação das suas uvas com base neste pressuposto, pode perder dinheiro se o verão se revelar normal.
"Os agricultores têm de compreender que a sua decisão pode resultar em perdas", disse Solé Tasias.
Para ajudar com isto, o VISCA trabalhou com algumas adegas para criar uma lista de ações com base em cada previsão a curto prazo e sazonal - por exemplo, comprar mais produtos químicos para lidar com um possível pico de pragas, ou podar as vinhas para atrasar a vindima - e especificar os riscos financeiros associados a cada opção.
As opções e riscos serão adaptados a cada vinha ou adega. E quanto mais informação os investigadores tiverem sobre a vinha, melhor poderão prever, dizem eles.
Imprevisibilidade
A previsão climática a longo prazo é particularmente difícil na região mediterrânica, diz o Alessandro Dell'Aquila, co-coordenador do projeto MED-GOLD, que está a desenvolver serviços climáticos para os produtores de massas, azeite e vinho.
"Tem uma imprevisibilidade intrínseca porque há muito ruído devido a movimentos e perturbações (atmosféricas) em grande escala", afirma Dell'Aquila, que é climatologista da Agência nacional para as novas tecnologias, energia e desenvolvimento sustentável de Itália (ENEA).
Os trópicos, pelo contrário, são mais estáveis, o que significa que as previsões sazonais para o café, chá, milho e outras culturas em partes de África e da América do Sul poderiam ser mais precisas.
Os impactos a longo prazo das alterações climáticas no Mediterrâneo podem ser muito graves.
"O Mediterrâneo poderá vir a ter um aspeto muito diferente nas próximas décadas". Podemos ter espécies de animais ou insetos completamente diferentes trazidas dos trópicos, e podemos assistir à perda da biodiversidade local".
Algumas culturas terão de ser cultivadas em terrenos mais altos ou mais a norte, onde o clima será mais fresco e húmido. Será necessária mais irrigação nos campos e, no caso das uvas, terão de ser cultivadas diferentes variedades.
Partes da Europa podem abrir-se à produção de vinho e azeite pela primeira vez, enquanto outras áreas podem assistir a um colapso.
"Começa a surgir a ideia de deslocar as oliveiras para norte, para novas regiões de cultivo. E algumas partes do Mediterrâneo, por exemplo, o norte de África, poderão tornar-se demasiado quentes para os olivais".
Da mesma forma, embora a produção de vinho tenha recentemente aumentado no Reino Unido e na Dinamarca, certos vinhos do sul de Itália podem tornar-se extremamente raros na próxima década, diz Dell'Aquila.
Apoio
A política da UE precisa de mudar para ajudar os produtores a adaptarem-se às alterações climáticas, disse. As regras que regulam a composição dos vinhos, por exemplo, poderão ter de ser alteradas para permitir aos produtores utilizar diferentes variedades de castas - mesmo de diferentes regiões - sem alterar o nome do vinho. "Isto pode ser muito importante para os consumidores porque querem ir ao supermercado e encontrar um Chianti, por exemplo, e o nome deste vinho está claramente definido em algumas regras da UE".
Entretanto, os produtores têm de começar a agir. "Os viticultores devem começar a pensar onde podem comprar novas parcelas de terreno e começar a plantar uvas como investimento para os próximos 10 ou 20 anos".
Fonte: Jornal de Notícias