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As vinhas do futuro vão produzir mais do que vinho
2023-11-03

A Europa está a tentar utilizar as emissões e os resíduos da produção de vinho em novos produtos que vão desde a alimentação animal a alternativas aos antibióticos.

Em Palmela, uma região vinícola perto de Lisboa, Miguel Cachão está concentrado num aspeto invulgar da vindima de outono.

Está a desenvolver uma tecnologia que permite às adegas capturar dióxido de carbono e utilizá-lo para cultivar algas. O CO2, produzido quando o sumo de uva fermenta, pode cultivar uma alga de água doce rica em nutrientes chamada chlorella, que tem utilizações na alimentação animal, cosmética, suplementos alimentares e produção de vinho.

Motivos económicos e culturais

Os viticultores de toda a Europa enfrentam a dupla pressão das condições climatéricas extremas causadas pelas alterações climáticas e do aumento da concorrência externa. Em Portugal, o rendimento adicional do setor vitivinícola teria também um significado cultural.

É uma parte muito importante da vida das pessoas, por isso, mesmo que uma vinha não seja grande ou rentável, é importante que continuem a produzir", disse Cachão, engenheiro agrónomo da Associação de Viticultores do Concelho de Palmela.

Os portugueses bebem mais vinho por pessoa do que qualquer outro país do mundo, segundo um estudo de 2021. As comunidades do país têm uma forte ligação às suas vinhas locais que remonta a gerações.

A própria UE é o maior produtor mundial de vinho, representando quase metade das áreas vitícolas mundiais em 2020.

Portugal, com os seus famosos tintos encorpados do Douro e os seus frescos Vinhos Verdes, é o quinto maior produtor de vinho da Europa.

Encontrar uma fonte de rendimento adicional poderá salvar as adegas europeias do encerramento.

Lucro das algas

Cachão lidera um projeto de investigação que recebeu financiamento da UE para ser pioneiro na técnica de utilização de CO2 para cultivar chlorella em adegas. A chlorella é uma alga verde cujas qualidades fotossintéticas a tornam numa fonte de alimento e energia. É também rica em antioxidantes úteis para a indústria cosmética.

Esta alga precisa de CO2, luz solar e água para crescer. Converte a luz solar em energia química necessária para produzir hidratos de carbono, proteínas e outros compostos.

O processo pode gerar mais de 15 milhões de euros por ano para uma adega com um volume anual de, pelo menos, 7 milhões de litros de vinho, o que corresponde a um grande produtor europeu.

De acordo com o projeto, poderá também reduzir as emissões de gases com efeito de estufa dos produtores de vinho em, pelo menos, 30%. Denominado REDWine, o projeto tem uma duração de quatro anos, até ao final de abril de 2025, e faz parte de uma iniciativa da UE e da indústria denominada "Circular Bio-based Europe Joint Undertaking" (CBE JU).

A primeira unidade de demonstração estará pronta no final de 2023, segundo Cachão, que coordena a REDWine.

Será construída a cerca de 100 metros de uma adega local. Um tubo transportará o CO2 dos tanques de fermentação de uvas da adega para a unidade de compressão. O CO2 será depois liquefeito para ser armazenado e estar pronto a ser utilizado no cultivo da chlorella.

"A minha esperança é que consigamos mostrar que é viável para ser utilizado por adegas de todas as dimensões - pequenas, médias e grandes", afirmou.

Algumas adegas na Europa e noutros locais já captam CO2 e utilizam-no para proteger as uvas recém-colhidas da oxidação, um processo que pode afetar a cor e o aroma finais do vinho. Também o convertem em carbonato de cálcio para reduzir a acidez do solo.

CO2 retido

Mas em ambos os processos, o CO2 acaba por voltar para a atmosfera, segundo Cachão.

"As algas são importantes para fixar o CO2", afirmou.

A REDWine conta com a participação de 12 empresas e outras organizações em seis países: França, Alemanha, Irlanda, Países Baixos, Portugal e Espanha.

Entre as empresas participantes encontra-se a Algama, um fabricante francês de alimentos à base de algas, e a Lipotec, com sede em Espanha, especialista em ingredientes activos para cosméticos.

Cascas e sementes

Outros elementos potencialmente úteis na produção de vinho são os restos das uvas prensadas: as cascas, a polpa e as sementes.

Estas estão cheias de substâncias químicas naturais que protegem as uvas dos danos causados pelo sol e pelas pragas.

As cascas, a polpa e as sementes de uva oferecem a perspetiva de alternativas saudáveis aos antibióticos.

Um projeto de investigação financiado pela UE, denominado NeoGiANT, está a desenvolver terapias naturais para ajudar a reduzir a utilização de antibióticos nas explorações pecuárias e piscícolas.

O projeto reflecte as preocupações crescentes de que a resistência aos antibióticos nos animais e nas pessoas está a aumentar em resultado do uso excessivo na pecuária e na aquicultura.

A sua utilização em animais saudáveis para prevenir doenças e infeções - e não apenas como tratamento - resultou num dos maiores problemas da atualidade: a resistência aos antibióticos", afirmou Marta Lores, professora de química analítica na Universidade de Santiago de Compostela, em Espanha.

Substitutos aos antibióticos

Coordena o NeoGiANT, que tem uma duração de quatro anos, até setembro de 2025, e reúne universidades, institutos de investigação, representantes agrícolas e empresas de nove países.

Os parceiros são da Alemanha, Bélgica, Espanha, Hungria, Polónia, Portugal, República Checa e, fora da UE, da Argentina e do Reino Unido.

A resistência antimicrobiana ocorre quando bactérias, vírus, fungos e parasitas se alteram ao longo do tempo e deixam de responder aos medicamentos, tornando as infeções mais difíceis de tratar e aumentando o risco de propagação da doença, problemas graves e morte, de acordo com a Organização Mundial de Saúde.

Os investigadores da NeoGiANT estão a extrair antioxidantes e eubióticos - aditivos que melhoram a saúde intestinal dos animais - para utilizar nos alimentos para animais. O objetivo é tornar os animais mais resistentes a infeções e doenças.

"Podemos extrair este leque de compostos e fabricar produtos úteis a partir deles", afirmou Lores.

Os resíduos de uva estão também a produzir tratamentos para algumas das doenças animais mais comuns, incluindo a mastite - uma inflamação da glândula mamária - nas vacas, a diarreia pós-desmame nos porcos e uma doença de pele chamada epidermite exsudativa nos leitões. Atualmente, estas doenças são tratadas principalmente com antibióticos.

Além disso, o projeto visa substituir os antibióticos por extractos antimicrobianos nos extractores de sémen. Estes são conservantes que prolongam a vida do sémen recolhido para inseminação artificial na criação de gado.

Se todos estes compostos forem bem sucedidos, 12 novos produtos estarão prontos para o mercado no final do projeto.

Lores espera que a maioria dos produtos planeados seja bem sucedida. Mas, segundo ela, mesmo que o total acabe por ser inferior a uma dúzia, o investimento na investigação terá valido a pena.

"Se apenas um dos produtos for comercializado, isso significa que serão utilizados menos antibióticos", afirmou Lores. "No final, todos beneficiarão. Quanto mais saudável for o gado, mais saudáveis serão os alimentos que os humanos estão a consumir".

Fonte: Horizon EU e Qualfood

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