Os cientistas continuam a apostar na produção de alimentos em laboratório. Agora é a vez de um “arroz com carne no interior” desenvolvido pela Universidade Yorsei, na Coreia do Sul.
O desenvolvimento de alimentos em laboratório não é uma novidade para a indústria alimentar. A mais recente chega da Coreia do Sul, com um um arroz de carne que pode vingar como uma “solução” para um futuro mais sustentável e capaz de combater as alterações climáticas.
Apresentada pela Universidade Yorsei, a "receita” promete revolucionar a forma como comemos. Os cientistas sul-coreanos desenvolveram um arroz em tons cor-de-rosa, feito à base de músculo de vaca e células de gordura, que são inseridos dentro dos próprios grãos de arroz. Foi criado com o objetivo de ser uma alternativa à carne tradicional e uma opção mais sustentável para o meio ambiente, bem como uma opção mais barata.
A produção deste “arroz de carne” divide-se em três fases. Na primeira fase, o arroz é coberto com uma gelatina de peixe que permite que as células de carne se fixem melhor. Em seguida, é inserido músculo de vaca e células de gordura nos grãos de arroz. Por fim, o arroz é deixado numa placa de Petri (recipiente cilindro de vidro ou plástico) durante nove a 11 dias. Após este processo, as células de carne crescem não só na superfície do grão de arroz, mas também dentro do próprio grão.
Segundo os investigadores da Universidade Yorsei, o “arroz de carne” produzido em laboratório apresentou na sua composição 8% mais de proteína e 7% mais gordura do que o arroz que estamos habituados a consumir no dia-a-dia. A sua textura é também diferente o arroz normal, que tende a ser mais macio e pegajoso. Mesmo sendo produzido em laboratório, pode ser cozinhado à semelhança de um arroz de supermercado.
Embora este “arroz de carne” tenha resultado num grande sucesso, não foi a primeira opção para o estudo. Inicialmente, os investigadores recorreram a soja para criar uma alternativa à carne animal, mas a sua estrutura celular revelou-se demasiado grande e não seria possível obter uma textura semelhante à da carne.
Este novo método foi apresentado com mais detalhe num estudo divulgado na revista Matter, no passado dia 14 de fevereiro. Numa conferência de imprensa, a engenheira química e principal autora do estudo, Sohyeon Park, destacou os benefícios que esta nova descoberta pode ter na alimentação diária dos indivíduos: "o arroz já tem um alto teor nutritivo, mas ao adicionar células de gado, esse teor pode aumentar ainda mais".
Park reforçou que esta poderia ser uma solução eficaz para diminuir os consumos associados à pecuária e da libertação de gases com efeitos de estufa. Quanto ao futuro, vê “um mundo cheio de possibilidades” em que a comercialização deste arroz híbrido pode “um dia servir como ajuda alimentar para a fome, ração militar ou até mesmo comida espacial", afirmou a engenheira química.
Para já, este “arroz de carne” não será comercializado. Antes de dar esse passo, a equipa responsável pela sua produção quer garantir que as células se desenvolvem melhor nos grãos de arroz, o que pode resultar num maior valor nutricional.
O FUTURO PODE ESTAR NA AGRICULTURA CELULAR
Na última década, registou-se um aumento significativo no desenvolvimento de alimentos em laboratório. A agricultura celular surge como uma alternativa à pecuária e procura criar produtos animais através das células de animais vivos ou abatidos recentemente - é ter acesso à carne tradicional mas sem precisarmos de matar o animal.
A adoção deste novo método pode traduzir-se em diversos benefícios que contrastam com os efeitos negativos da pecuária. A produção de alimentos em laboratório com recurso a células pode contribuir para a diminuição dos recursos que estão normalmente associados à pecuária como o uso intensivo de água, solos ou energia. Pode diminuir o desenvolvimento de doenças que possam colocar em risco a saúde pública (gripe das aves, gripe suína, etc) e evitar práticas que resultam no sofrimento animal. Este método pode também ajudar a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (metano, óxido nitroso e dióxido de carbono), que impulsionam o aquecimento global.
No entanto, a agricultura celular enfrenta vários desafios que impedem a sua fixação no mercado e no quotidiano da população. A produção de alimentos em laboratório tem custos elevados que acabam por se refletir no preço final que chega ao consumidor. Este método assume-se como mais sustentável para o meio ambiente, mas em contrapartida, a produção em laboratório consome quantidades elevadas de energia. Em 2019, Marco Springmann, um cientista ambiental da Universidade de Oxford, afirmou à CNBC que “a carne de laboratório não resolve nada do ponto de vista ambiental, uma vez que as emissões de energia são muito elevadas”.
Outro grande desafio está relacionado com questões éticas e religiosas. Para além da comunidade vegan não ser totalmente a favor da carne produzida em laboratórios, também a comunidade judaica e muçulmana se tem questionado quanto à possibilidade da carne de laboratório poder vir a ser considerada Kosher e Halal. Ambas as religiões defendem que os animais devem ser sacrificados na hora da morte, no entanto, um dos objetivos da carne produzida em laboratório é evitar esse sofrimento desnecessário dos animais.
De acordo com um relatório publicado pelo The Good Food Institute, existem mais de 150 empresas a nível mundial, dedicadas à produção de carne em laboratório. Os dados publicados são referentes a 2022, ano em que se registou um investimento de quase 900 milhões de dólares nesta indústria. Também a produção de marisco em laboratórios tem crescido nos últimos anos. Em todo o mundo existem pelo menos 120 empresas que se dedicam à produção deste alimento numa versão alternativa à tradicional.
O futuro parece ser promissor para estas empresas que investem na “alimentação do futuro”.
Em 2020, Singapura tornou-se o primeiro país do mundo a permitir a venda de carne de frango desenvolvida no laboratório da empresa norte-americana Memphis Meats. Dois anos depois, a agência reguladora dos EUA para os medicamentos e alimentação (FDA), deu luz verde para a comercialização de carne produzida pelo laboratório da empresa norte-americana Upside Foods, que em 2022 investiu 400 milhões de dólares na produção de carne em laboratório.
Alguns países mostram-se pouco receptivos a esta prática. É o caso da Itália que, no ano passado, se tornou no primeiro país a banir oficialmente qualquer tipo de produção, venda e importação de carne cultivada em laboratório. Os motivos? Quer proteger a “tradição italiana”, nomeadamente, os agricultores e a gastronomia do país. Esta decisão foi justificada pelo Ministro da Agricultura italiano, Francesco Lollobrigida, defendendo que os “trabalhadores, empresários agrícolas e os cidadãos, têm o direito de comer bem”.
Fonte: Expresso