Investigadores tailandeses relataram, na revista norte-americana “New England Journal of Medicine” (NEJM), o primeiro caso de transmissão do vírus da gripe aviária entre humanos que resultou em doença grave: uma menina de 11 anos, que morreu num hospital em Banguecoque em Setembro, transmitiu o vírus à sua mãe, que morreu dias depois. A tia da menina também adoeceu, mas recuperou.
O estudo, que foi divulgado ontem no "site" da revista norte-americana em http://www.nejm.org, coincidiu com uma reunião da Organização Mundial de Saúde (OMS), na Suíça, onde se discute a coordenação das medidas de emergência no caso de se registar uma epidemia de gripe causada pelo vírus do subtipo H5N1, vulgarmente designado como gripe das aves.
Markos Kyprianou, comissário europeu da Saúde, apelou aos governos e à indústria para que invistam na prevenção da epidemia.
O comissário afirmou ainda que os países da União Europeia estão a preparar exercícios para lidar com essa situação - que nada tem a ver com os surtos de gripe normais nesta época, como o que encheu hospitais e centros de saúde na semana passada em Portugal.
De acordo com a imprensa britânica, o Reino Unido está a desenvolver planos de emergência, que incluem a evacuação de centros habitacionais.
O subdirector-geral da Saúde, Francisco George, assegurou que em Portugal, esse processo também já está em andamento: "Os planos de contingência foram actualizados, para serem compatíveis com os restantes países da União Europeia."
Esses planos foram traçados em 1997, quando o H5N1 surgiu em Hong Kong, como um vírus potencialmente mortal que infectava aves e humanos, mas foram actualizados em aspectos como o uso de medicamentos antivirais para a gripe, que na altura não existiam.
A Organização Mundial de Saúde tem lançado vários alertas, pedindo aos governos e às empresas farmacêuticas que se preparem para enfrentar a próxima epidemia global de gripe, que muito provavelmente será causada pelo H5N1.
Cenários semelhantes ao da gripe espanhola, em 1918, que causou entre 20 a 100 milhões de mortos a nível global, são o maior receio dos cientistas.
Normalmente, os vírus das aves não infectam os humanos no entanto, e como o vírus da gripe está sempre a sofrer mutações, pode ganhar características que lhe permitam infectar facilmente os homens, e até causar muitas vítimas mortais.
Suspeita-se que a epidemia de 1918 terá sido causada por um vírus que passou das aves para os humanos, talvez depois de uma breve adaptação em porcos.
Ora o vírus H5N1 já foi encontrado em porcos, na China, e sabe-se que também infecta felinos. Se se consegue transmitir horizontalmente entre mamíferos - por exemplo, de porco para porco -, ou se apenas passa de aves para mamíferos é que ainda não está muito claro.
Contudo, foram já descritas outras situações em que o H5N1 foi, provavelmente, transmitido por uma pessoa a outra, sem contacto com aves infectadas. Mas este caso na Tailândia foi o primeiro em que foi comprovada a transmissão horizontal, entre mãe e filha, e que resultou na morte da segunda pessoa infectada.
Apesar de este ser um indício preocupante, o facto de a tia não ter morrido e de a doença não se ter espalhado para outras pessoas que conviveram com a menina é uma boa notícia: "Isto sugere que o vírus não sofreu adaptações que lhe permitam espalhar-se facilmente entre os humanos", afirmam os investigadores. "Mas isto não deve tornar-nos complacentes", sublinham.
O director do programa global da gripe da OMS, Klaus Stöhr, afirma num editorial no mesmo número da NEJM, que o alerta terá que continuar porque a possibilidade de uma epidemia global é cada vez mais real: "Desde o início do ano que todos os pré-requisitos para o início de uma epidemia global foram preenchidos, à excepção de um - o vírus ainda não apresenta alterações genéticas que lhe permitam passar de forma eficiente de humano para humano."
Fonte: Público