Vários estudos científicos indicam que as alterações climáticas impactam a produção e a abundância de alimentos. Contudo, estas mudanças também podem afetar a própria segurança e qualidade nutricional dos produtos que consumimos, bem como a saúde dos animais e das plantas.
As palavras “bactérias carnívoras” podem remeter, à primeira vista, para um filme de ficção científica de Hollywood. Contudo, esta expressão tem vindo a ser usada nos últimos anos para descrever as Vibrios, um grupo de bactérias que estão cada vez mais presentes em marisco devido ao aumento da temperatura dos oceanos.
As bactérias Vibrio prosperam em águas quentes e de baixa salinidade, assim como em zonas onde rios se encontram com o mar. Em caso de contacto físico, estas bactérias podem causar infeções em feridas e nos ouvidos. Contudo, quando ingeridas através de marisco cru ou malcozinhado, podem também provocar gastroenterite ou infecções graves.
Recentemente, cientistas da Agência Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) descobriram que, nos últimos 20 anos, a Europa tem vindo a assistir a um aumento das infeções por Vibrio. Tal acontece devido a fenómenos meteorológicos mais extremos, entre os quais ondas de calor, que promovem a sua presença e crescimento.
Esta investigação permitiu revelar ainda que determinadas estirpes de Vibrio desenvolveram resistência a antibióticos, o que aumenta as preocupações sobre estas bactérias. Os peritos da EFSA concluíram que a deteção de resistência antimicrobiana é preocupante devido ao seu potencial para a saúde pública”, uma vez que afeta a eficácia de tratamentos com determinados antibióticos.
Mas como podemos reduzir este risco emergente enquanto consumidores? Depois de analisarem intensivamente as Vibrios e os seus impactos a nível da segurança alimentar, os cientistas da EFSA recomendam evitar o consumo de marisco cru ou mal cozinhado. Estes conselhos são particularmente importantes para grupos vulneráveis.
Contudo, as Vibrios são apenas uma das formas como as alterações climáticas podem afetar a segurança alimentar. Angelo Maggiore, cientista na unidade de Conhecimento e Inovação da EFSA, considera que “as alterações climáticas podem intensificar riscos já existentes para a segurança dos alimentos e mesmo conduzir a novos riscos”. Estes novos desafios estão agora a ser analisados pelos cientistas.
Biotoxinas na Madeira e um novo olhar para a segurança dos alimentos
Segundo o projeto da EFSA sobre alterações climáticas, designado de CLEFSA, as Vibrios são um dos riscos com maior probabilidade de emergência para a segurança dos alimentos na Europa. Este projeto promove a inclusão das alterações climáticas na identificação e análise de riscos para a segurança e qualidade nutricional dos alimentos e de ração, bem como para a saúde animal e das plantas.
Curiosamente, Portugal desempenhou um papel na identificação dos sinais destes potenciais riscos. Em 2004, cientistas registaram a presença de ciguatoxinas na Madeira. Estas biotoxinas são contaminantes químicos produzidos de forma natural por certos tipos de algas.
O consumo de peixe contaminado por ciguatoxinas pode causar efeitos gastrointestinais, cardiovasculares e neurológicos, com impactos a curto e longo prazo. Esta é a forma mais comum de intoxicação alimentar marinha no mundo, com cerca de 20 a 50 mil casos registados por ano. No entando, estima-se que menos de 10% dos casos sejam reportados.
A deteção destas biotoxinas da Madeira e das Ilhas Canárias, associada a surtos de ciguatera nestas áreas, despertou a atenção da comunidade científica. As algas que produzem estas biotoxinas são encontradas principalmente em áreas tropicais e subtropicais – o clima e a temperatura influenciam a sua presença em ambientes marinhos.
Face a este novo perigo para a saúde pública, a EFSA e a Autoridade Espanhola de Segurança Alimentar lançaram, em 2016, o projeto EuroCigua. Esta iniciativa pretende investigar os riscos associados à intoxicação por peixe contaminado com ciguatoxinas. No total, 13 organizações de seis Estados-Membros, incluindo a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) aderiram ao projeto, que agora se encontra na segunda edição.
Por outras palavras, esta nova perspetiva da segurança alimentar permite integrar cenários de alterações climáticas no estudo das ameaças emergentes à saúde pública. “O projeto CLEFSA ajuda-nos a compreender melhor como as alterações climáticas conduzem a novos riscos para a segurança alimentar, em particular nos ambientes marinhos”, afirma Angelo Maggiore.
Nos últimos anos, esta abordagem conduziu a novas investigações científicas. Recentemente, a EFSA estudou o impacto potencial da utilização crescente dos oceanos na segurança dos alimentos marítimos. Outro exemplo desta abordagem é a análise de como as alterações climáticas aumentaram a aptidão dos ambientes europeus para pragas nas plantas.
“Os efeitos das alterações climáticas podem parecer desencorajadores, mas podemos implementar abordagens inovadoras para lidar com a complexidade do sistema alimentar e estarmos preparados para o que o futuro pode trazer”, conclui Angelo Maggiore.
Fonte: GreenSavers