16 de Dezembro de 2025
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UE-Mercosul: primeiro o comércio, depois as normas?
2025-12-09
Qualfood

Em meados de Dezembro, os governos da UE decidirão se avançam com o controverso acordo comercial UE-Mercosul. Este acordo corre o risco de aumentar as importações de baixa qualidade, colocando os agricultores sob mais pressão e enfraquecendo as proteções sanitárias e ambientais.
O acordo de comércio livre UE-Mercosul entre a UE e o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai está a entrar na sua fase final. Após um acordo político em Dezembro de 2024 e a luz verde da Comissão Europeia para o pilar comercial em Setembro de 2025, os Estados-Membros da UE estão agora a preparar-se para uma votação crucial do Conselho, atualmente marcada para 18 de Dezembro de 2025. Se os governos aprovarem, o acordo seguirá para o Parlamento Europeu, onde a votação final está prevista para o início de 2026.

Capitais divididas, posições em mudança
Vários Estados-Membros continuam a criticar publicamente o acordo, em particular devido ao seu capítulo agrícola e à falta de proteções ambientais e dos direitos humanos fortes e aplicáveis. A França afirmou repetidamente que não pode apoiar o acordo sem «medidas espelho» robustas, cláusulas de salvaguarda eficazes e controlos mais rigorosos sobre as importações. Outros, como a Alemanha e os Países Baixos, assumiram posições mais positivas ou em mudança, sublinhando o quão sensível esta decisão se tornou do ponto de vista político.

Cláusulas de salvaguarda: mais política do que proteção?
Para acalmar as preocupações dos agricultores e cidadãos, a UE apresentou um novo regulamento sobre cláusulas de salvaguarda "reforçada" para produtos agrícolas ligados ao acordo UE-Mercosul. Em teoria, estas cláusulas deveriam permitir à UE reagir rapidamente se as importações de produtos sensíveis, como carne bovina, aves ou açúcar, aumentassem e ameaçassem os produtores da UE. Na prática, muitos especialistas e organizações da sociedade civil alertam que o texto é fraco: é difícil de acionar, não oferece proteção automática e não aborda verdadeiramente o problema central dos produtos fabricados com pesticidas, OGM ou antibióticos que são proibidos na Europa.

Parlamento sob pressão, escrutínio sob tensão
No Parlamento Europeu, o debate sobre estas cláusulas de salvaguarda é intenso. Uma tentativa de acelerar a regulamentação, ignorando o trabalho detalhado da comissão, suscitou fortes críticas por parte de deputados de vários grupos políticos, que argumentaram que um dossier tão estratégico não pode ser apressado sem um escrutínio adequado. Ao mesmo tempo, um grupo multipartidário de deputados europeus solicitou que o acordo com o Mercosul fosse encaminhado ao Tribunal de Justiça da UE (TJUE) para um parecer sobre a sua legalidade e compatibilidade com o direito da UE – uma medida que poderia atrasar ou mesmo bloquear o acordo. Por enquanto, a liderança do Parlamento adiou essa discussão, levantando receios de que qualquer encaminhamento possa chegar «tarde demais», após a aprovação do Conselho.

Pesticidas boomerang e duplo padrão
Um dos aspetos mais alarmantes do acordo UE-Mercosul é o seu potencial para expandir o comércio dos chamados "pesticidas boomerang": produtos químicos proibidos para uso agrícola na UE, mas ainda fabricados aqui para exportação para outros países, e que depois regressam à Europa como resíduos em produtos alimentares importados. Este duplo padrão expõe as comunidades dos países exportadores a substâncias consideradas demasiado perigosas para os cidadãos da UE e, em seguida, traz essas mesmas substâncias de volta aos pratos europeus através de resíduos em soja, frutas, vegetais e outros produtos importados. O acordo corre o risco de perpetuar e até mesmo amplificar este sistema injusto e prejudicial.

Agricultores pressionados entre o comércio livre e a desregulamentação
Em toda a Europa e nos países do Mercosul, muitas organizações de agricultores denunciam o acordo como um fator de concorrência desleal. Os produtores da UE temem ser prejudicados pelas importações produzidas com terras mais baratas, proteções trabalhistas mais fracas e regras ambientais mais flexíveis. Nos países do Mercosul, os pequenos agricultores e as comunidades indígenas enfrentam uma pressão crescente da expansão do agronegócio, do desmatamento e da apropriação de terras. Em vez de apoiar uma transição para uma agricultura mais sustentável e resiliente, o acordo corre o risco de reforçar um modelo baseado em monoculturas de exportação, alto uso de pesticidas e concentração de poder em algumas grandes corporações.

Clima, florestas e direitos humanos em risco
O acordo UE-Mercosul não se resume apenas a tarifas e quotas. Ele irá moldar o uso da terra, o desmatamento, as emissões de gases de efeito estufa e as condições dos direitos humanos em alguns dos ecossistemas mais sensíveis do mundo. O aumento das exportações de carne bovina, soja e outras culturas provenientes de regiões propensas ao desmatamento ameaça comprometer os objetivos da própria UE em matéria de clima e de cadeia de abastecimento livre de desmatamento. As comunidades que defendem as suas terras e o ambiente nos países do Mercosul já enfrentam violência e intimidação; expandir este modelo comercial sem proteções robustas e aplicáveis corre o risco de agravar uma situação já de si difícil.

Uma encruzilhada para a política comercial da Europa
Em toda a UE e América Latina, organizações de agricultores, comunidades indígenas, grupos ambientalistas, sindicatos e organizações de consumidores já estão a dar o alarme. A sua mensagem é clara: as regras comerciais não devem prejudicar o direito a alimentos seguros, agricultura sustentável, um ambiente saudável e condições de trabalho dignas. Infelizmente, o destino do acordo UE-Mercosul é agora um teste para saber se os líderes da UE estão dispostos a colocar a saúde, a alimentação, a agricultura, o clima, as florestas e os meios de subsistência dos agricultores à frente dos ganhos comerciais de curto prazo. A aprovação do acordo na sua forma atual consolidaria um modelo baseado na desregulamentação, em duplos padrões tóxicos e numa pressão cada vez maior sobre as pessoas e os ecossistemas, tanto na Europa como nos países do Mercosul.

Fonte: foodwatch

 

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