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Nem tudo o que é verde é assim tão bom - As falhas do Nutri-Score
2021-10-25

O sistema simplificado de rotulagem nutricional por cores e letras já foi adotado por alguns países da Europa e a DECO quer que seja implementado de forma uniformizada em Portugal. Os especialistas são unânimes ao afirmar que o Nutri-Score é vantajoso em comparação com o modelo atual ou com a inexistência de um modelo, mas não deixam de apontar falhas que poderão sair caras a médio e longo prazo.

E uma delas é a falta de discussão sobre o assunto. A VISÃO pesou os prós e contras deste sistema.

Com uma oferta cada vez mais vasta de alimentos embalados e prontos a comer e os estilos de vida cada vez mais acelerados, os processados enchem as prateleiras dos supermercados e das despensas das casas portuguesas, ganhando um espaço de destaque no regime alimentar diário. O preço destes produtos alimentares continua a ser um dos fatores que mais pesa no momento da compra, mas quando o objetivo é escolher o que é mais saudável é na leitura do rótulo que está a solução. Porém, no caso português, é aqui que pode estar o problema.

Uma vez que 40% dos portugueses têm dificuldade em interpretar a informação presente num rótulo alimentar , a adoção de um sistema de rotulagem simplificado tem sido a aposta de algumas marcas no mercado português e é vista pelos especialistas como caminho a seguir na hora de facilitar a perceção sobre o quão bom ou mau pode ser um alimento embalado. Embora a análise exclusiva do esquema colorido seja superficial, o Nutri-Score é o sistema simplificado de rotulagem que mais tem captado as atenções de algumas empresas alimentares e a DECO quer que seja implementado de forma uniformizada em Portugal, estando já a reunir com os partidos com assento parlamentar para dar seguimento ao assunto, seguindo os passos de alguns países europeus, que já implementaram este sistema.

Quanto a esta iniciativa da DECO, Maria João Gregório, presidente do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) da Direção-Geral da Saúde (DGS) diz à VISÃO “que quanto mais alargada for a discussão na sociedade civil sobre este tema tanto melhor”. Até porque, continua numa resposta enviada por escrito, “neste momento, mais importante do que a adoção do Nutri-Score em Portugal, é a adoção de um modelo único a nível europeu, consensualizado por todos os países europeus. Sabemos que a União Europeia tomará uma decisão sobre este assunto em breve. E Portugal, através dos Ministérios da Agricultura, Negócios Estrangeiros, Economia e Saúde tem naturalmente participado nesta discussão”.

O Nutri-Score é, para já, o único modelo simplificado a ser mencionado por cá, mas há prós e contras no Nutri-Score que têm de ser pesados e o certo é que a discussão sobre este e outros modelos de rotulagem simplificados parece estar a passar despercebida, mesmo após ter sido enviada uma carta aberta ao Parlamento por parte da organização de defesa do consumidor. “Haver diálogo e procura ativa pela melhoria do sistema de rotulagem é um debate que não está a ser tido e essa inércia é capaz de ser algo que irá causar algum arrependimento no futuro, certamente”, lamenta Helena Trigueiro, nutricionista e doutoranda.

O que é o Nutri-Score?

O Nutri-Score é um sistema simplificado de rotulagem nutricional que, com o recurso a um algoritmo, classifica os alimentos por cores (do verde ao vermelho) e letras (do A ao E) numa escala que ajuda o consumidor a avaliar um alimento – os mais saudáveis são rotulados a verde com a letra A e os menos saudáveis a vermelho com a letra E. Este modelo foi desenvolvido pela Santé Publique France, a agência nacional de saúde pública francesa, e encontra-se já em vigor em sete países europeus: Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Luxemburgo, Países Baixos e Suíça.

Segundo a DECO, que se juntou à Auchan, à Danone e à Nestlé na criação da página de Facebook Mais Nutri-Score, o algoritmo do Nutri-Score tem por base um sistema que atribui pontos com base na composição nutricional do produto (por 100g ou 100ml), sendo que se subtraem os pontos positivos aos negativos, cálculo esse que, no final, irá resultar na cor e na letra a apresentar em destaque. Nos pontos positivos incluem-se fatores como “proporção de fruta, legumes, leguminosas, frutos secos, azeite e óleo de colza e noz, tal como o teor em fibras e proteínas” na composição do alimento, lê-se no site da DECO, que dá conta também dos elementos considerados como pontos negativos, como é o caso da “energia (calorias), teor em gordura saturada, açúcares e sal”.

Por cá, marcas como a Pescanova e a Iglo também já usam voluntariamente o Nutri-Score, modelo também adotado nos produtos de marca própria por supermercados como Aldi, E.Leclerc e Pingo Doce, por exemplo. O Continente, por seu turno, usa o modelo de semáforo ao estilo britânico nos alimentos embalados de marca própria, um modelo que foi implementado há 13 anos e que avalia quatro nutrientes: “lípidos (gorduras), ácidos gordos saturados (gorduras saturadas), açúcares e sal”, sendo que cada um deles é classificado com uma cor (verde, amarelo ou vermelho) de acordo com a quantidade presente no alimento, explica por escrito Mayumi Delgado, responsável da equipa de nutrição do Continente. “Existe ainda a cor cinza, atribuída ao valor energético (calorias), que não tem qualquer significado nutricional”, explica. Além das cores, que acabam por destacar os nutrientes de forma direta os nutrientes com impacto negativo na saúde, o semáforo apresenta ainda “a percentagem de dose de referência, tendo em conta a dose de alimento consumida (porção)”, informação visual que acaba por ser de perceção mais direta – uma pessoa hipertensa, por exemplo, percebe logo que determinado alimento com um vermelho no sal é de evitar.

Os prós do Nutri-Score (que podem trazer água no bico)

A complexidade do atual sistema de rotulagem é um dos fatores para a incompreensão quase generalizada a nível alimentar por parte dos portugueses, uma vez que este modelo é bastante descritivos no que diz respeito à quantidades de nutrientes e “essa informação obriga a alguns cálculos” e as pessoas têm de adaptar “as percentagens ao que é recomendado ao longo do dia”, explica Pedro Graça, diretor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, salientando que “este duplo cálculo nesta rotulagem, que é obrigatória em todos os alimentos embalados, torna-a difícil de compreender e é difícil de transformar em ações no dia-a-dia no momento da compra” e, por isso, “termos um sistema mais simplificado é melhor do que o atual sistema”, até porque, de acordo com Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas, a não compreensão nutricional “aumenta para 60% quando estamos a falar de uma população com um nível de escolaridade inferior”. No entanto, Maria João Gregório não deixa de notar que todos os modelos simplificados “apresentam limitações, inerentes a qualquer processo de ‘simplificação’”.

O estudo Nutri-Score: Uma Ferramenta de Saúde Pública para Melhorar os Hábitos Alimentares da População Portuguesa mostrou que se trata de uma ferramenta que é facilmente reconhecida e interpretada “independentemente do estrato socioeconómico e demográfico, especialmente em comparação com o sistema de semáforo”, o que poderá ajudar a combater a falta de literacia alimentar que é apontada pelos especialistas como uma das causas para as más escolhas alimentares (não só em qualidade, como também em quantidade), que, por seu turno, podem desencadear o aparecimento de determinadas patologias, como a obesidade, diabetes tipo 2 e hipertensão. Ainda no que diz respeito ao potencial efeito protetor contra doenças relacionadas com hábitos alimentares, a Organização Mundial da Saúde (OMS) destacou, no início de setembro, o mais recente relatório da Agência Internacional para a Investigação do Cancro (IARC), que sugere que a adoção do Nutri-Score na Europa pode ajudar os consumidores a reduzir o risco de doenças não transmissíveis, como o cancro.

A uniformização deste modelo por vários países europeus poderá ser uma forma de compreender a classificação de um produto embalado mesmo quando não se entende a língua local, o que poderá promover melhores hábitos além fronteiras, sendo este um outro aspeto positivo apontado pelos especialistas. “O Nutri-Score distingue-se dos demais sistemas disponíveis no mercado por avaliar facilmente os alimentos de uma forma global, permitindo uma fácil compreensão da sua qualidade nutricional”, explica Joana Sousa, nutricionista e professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Entre as vantagens do Nutri-Score está ainda a facilidade de comparação entre dois produtos da mesma categoria, porém, não deve ser visto como “um substituto da informação nutricional, que deve manter-se”, destaca Joana Sousa. O facto de o alimento rotulado com o Nutri-Score não deixar de ser um alimento processado e embora a demonização deste tipo de produtos não seja benéfica, o certo é que o seu consumo regular e até exagerado pode trazer consequências para a saúde, sobretudo se for feito em detrimento de outros alimentos mais saudáveis ou de um regime alimentar variado. Um estudo levado a cabo por investigadores da Eslovénia aponta as interpretações erradas como um dos principais desafios do Nutri-Score, que apesar de ser eficaz na rotulagem generalizada, carece de discussão para que seja feita uma correta campanha de informação junto da população – preocupação que ganha outra escala quando tudo aponta para que seja um modelo adotado de forma generalizada pelos estados-membros da União Europeia, com níveis de literacia e hábitos de consumo distintos.

“Estes sistemas de rotulagem nutricional como o Nutri-Score, podem-nos ajudar a escolher a melhor opção dentro dos alimentos processados, já que a rotulagem nutricional se aplica aos alimentos pré-embalados. No entanto, a regra geral para a alimentação saudável, seguindo os princípios da Dieta Mediterrânica, continua a ser escolher preferencialmente produtos fresco, da época, minimamente processados e dar preferências aos produtos de origem vegetal”, afirma Maria João Gregório.

A comparação entre dois alimentos semelhantes que o esquema do Nutri-Score proporciona de forma direta pode também ser um gatilho para a indústria alimentar alterar as receitas dos seus produtos de modo a fornecer alimentos com melhores classificações. À VISÃO, os especialistas entrevistados dizem este é um dos principais pontos positivos do Nutri-Score e aquele que, a longo prazo, poderá aumentar o leque de alimentos ‘bons’ à disposição. “Há um duplo benefício: se por um lado estamos a auxiliar o consumidor no momento da compra, por outro lado não temos dúvidas nenhumas que vai encorajar a indústria alimentar a melhorar a qualidade nutricional dos seus produtos”, esclarece a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, que destaca a importância da adoção em Portugal de “um sistema de rotulagem que seja simples e único” e de fácil compreensão por parte dos consumidores, podendo ser o Nutri-Score, outro existente ou até um criado de raíz. Contudo, esta otimização das receitas dos alimentos embalados poderá não ser tão inocente quanto isso, como alerta Pedro Graça mais à frente neste texto – há o risco de hiperprocessamento e a facilidade de contornar ingredientes que nada acrescentam à alimentação saudável.

De acordo com Dulce Ricardo, coordenadora da área alimentar da DECO, o Nutri-Score destaca-se dos demais pela “robustez científica” e por não ser um modelo fixo, o que permite uma adaptação das classificações dadas. “Está previsto para o final do ano, início do próximo uma hipotética reformulação da fórmula, em que está de facto a estudar o comité científico independente a hipótese de começar também a contemplar aditivos, nomeadamente os edulcorantes. A própria fórmula poderá vir a ser alterada com base em critérios científicos, não é uma coisa estanque”, revela. Esta eventual mudança poderá, por exemplo, fazer com que alimentos e bebidas ‘light’ ou rotuladas como ‘sem açúcar’ que são bem classificadas por terem um baixo teor de açúcar passem a ser menos bem classificadas por conterem edulcorantes na sua formulação, o que é um ponto positivo. Um exemplo concreto de reformulação e de como o Nutri-Score não deve ser a única forma de avaliação por parte do consumidor é o azeite virgem-extra, primeiramente classificado como um D e depois como um C.

“No futuro, acredito que estes algoritmos que permitem classificar globalmente um produto alimentar poderão vir a ter em conta o grau de processamento dos alimentos. A evidência científica sobre o consumo de alimentos processados e piores outcomes de saúde é cada vez mais consistente”, diz Maria João Gregório.

Os contras do Nutri-Score

O Nutri-Score é o modelo simplificado que gera mais consenso quando comparado a outros front-of-pack nutrition labels – FOP-NL (rótulos nutricionais na frente da embalagem – FOP-NL), como o caso do semáforo nutricional (usado no Reino Unido) ou o sistema de alerta (usado no Chile), embora sejam ainda poucos os estudos concretos sobre o efeito do Nutri-Score nas escolhas e, por consequência, na saúde, uma vez que se trata de um modelo ainda recente. “Tenho a certeza que o Nutri-Score é melhor do que nada, agora, se me perguntar se é o modelo ideal, não é o modelo ideal. Ainda está longe de ser o modelo ideal e de ser o modelo perfeito à interpretação do valor nutricional”, afirma à VISÃO a nutricionista Helena Trigueiro.

Uma das primeiras falhas apontadas a este sistema simplificado de rotulagem nutricional é o facto de o algoritmo do Nutri-Score não englobar tudo o que pode estar na ‘receita’ do alimento industrializado. “O risco, a meu ver, é que se está a classificar um alimento com dezenas de nutrientes apenas baseado em três ou quatro, que são os mais importantes para a saúde da pessoa”, mas não os únicos a compor o alimento, alerta Pedro Graça.

Atualmente, o algoritmo do Nutri-Score não contabiliza aditivos, grau de processamento, pesticidas, antibióticos, alergénios, aromas, tamanho da porção e o método de preparação/confeção. E o que é que isso quer dizer? As bebidas light, por exemplo, podem ser melhor classificadas do que aquilo que seria esperado. Tal como a própria DECO escreve no seu site, “o Nutri-Score considera apenas a quantidade de açúcares e não a presença de edulcorantes”, usados comummente para fazer as vezes do açúcar em alimentos e bebidas, e, por isso, “essas bebidas podem, portanto, obter um B ou um C”, algo que poderá gerar alguma confusão por parte dos consumidores, sobretudo quando a evidência científica alerta para os riscos do consumo regular e exagerado de açúcar e quando estão em vigor medidas que limitam a sua quantidade, como é o caso do imposto sobre as bebidas açucaradas (o chamado ‘imposto Coca-Cola’), que entrou em vigor em 2017, e da redução da gramagem do açúcar presente nos pacotes de uso único, que, desde 2020, não pode ser superior a quatro gramas por unidade. Algumas bolachas, cereais de pequeno-almoço e barras de cereais estão classificados como com um B, mesmo contendo edulcorantes na sua formulação.

Para além da exclusão de alguns fatores do algoritmo, a própria fórmula usada para obter a classificação pode ‘mascarar’ alguns aspetos, algo que o consumidor apenas poderá decifrar se fizer a leitura do rótulo tradicional. E Pedro Graça dá um exemplo: “um alimento que tem um verde [na classificação] é geralmente um melhor alimento do que o que tem um vermelho, no entanto, como este score é um cálculo de várias coisas, pode haver um alimento que até tem um bocadinho de sal a mais, mas como tem todos os outros fatores todos a favor o que vai acontecer é que essa quantidade de sal é diluída em todos os outros fatores positivos e o alimento até pode ter uma classificação razoável, mas se a pessoa for hipertensa, não percebe que aquele B ou C tem a sal a mais”.

“Uma das principais falhas [do Nutri-Score], a meu ver, é a dificuldade de integrar a própria ideia de moderação. Se, por um lado, o Nutri-Score acaba por disfarçar e mascarar de alimentos saudáveis alimentos que não têm assim tanto interesse, e podemos falar dos refrigerantes, mas também podemos falar de outros alimentos que, por terem um valor calórico mais baixo acabam por passar com um A ou com um B e que não são, de todo, a opção mais interessante, por outro lado, os alimentos mais tradicionais e da própria dieta mediterrânica acabam por ser mais postos de lado e menos considerados pelo próprio Nutri-Score e isso parece-me um bocadinho incongruente”, atira Helena Trigueiro.

Pedro Graça, também membro do Conselho Científico da ASAE, reconhece o impacto positivo que o Nutri-Score pode ter na confeção de alimentos processados com melhores classificações por parte da indústria alimentar, mas alerta para o facto de este aprimoramento de classificação poder ser “um incentivo ao hiperprocessamento” dos alimentos, pois, “um produto altamente processado pode ser um A ou B e ter lá uma série de aditivos que à partida não são necessários para a nossa saúde”. Na prática, explica, “se o produtor quiser que o produto passe de vermelho para verde, tem de ir à composição desse alimento, retirar açúcar, sal e gordura para ter um B. Se for um alimento hiperprocessado, com mistura de muitas coisas consegue-se, tirando uma coisa e metendo outra, fazer algum jogo de ingredientes e passar de um D para C, por exemplo. Se meter um pouco mais de fibra e de proteína, se calhar, consegue manter a mesma quantidade de açúcar e de sal, mas o alimento em vez de ser um D é um C porque foram melhoradas algumas propriedades”.

O impacto do Nutri-Score (ou de qualquer outro sistema de cores) no consumo prevê-se positivo com as pessoas a serem capazes de fazer escolhas mais acertadas e saudáveis, como mostra este estudo realizado em março deste ano, publicado na International Journal of Behavioral Nutrition and Physical Activity, e que revela uma tendência de ‘fuga’ por parte dos consumidores perante alimentos classificados com D ou E. Porém, isso pode não ser fácil quando alimentos até agora desaconselhados passam a ser bem classificados, como é o caso de alguns cereais de pequeno-almoço. Durante décadas, os nutricionistas desaconselharam o consumo regular deste tipo de alimentos, sobretudo por parte dos mais novos, mas agora é possível encontrar no mercado cereais de pequeno-almoço classificados com um B. Para Pedro Graça, “antigamente, era mais fácil desincentivar os pais a comprar e [o rótulo] coincidia com o discurso dos nutricionistas. Mas nos cereais de pequeno almoço é possível mexer na receita. Do ponto de vista nutricional, o produto melhorou, o que é ótimo, mas compromete a comunicação” e também a compreensão, podendo levar a um consumo mais regular do que o desejado. Apesar de frisar que não é “um anti Nutri-Score, de todo”, Pedro Graça alerta para a importância das pessoas manterem o espírito crítico e procurarem sempre ler o rótulo do alimento: “se [o Nutri-Score] for mal utilizado e se for pouco controlado, pode vender gato por lebre e os consumidores têm de estar sempre atentos”. Neste artigo , é já levantado um pouco do véu dos temas que merecem ser discutidos antes de uma implementação generalizada do Nutri-Score, ou de outro modelo de rotulagem simplificado.

Maria João Graça defende que “quando estes sistemas de rotulagem atribuem uma classificação global aos alimentos, o risco é maior porque de facto podem passar a mensagem ao consumidor de que o produto é ‘saudável’, independentemente da quantidade consumida. Nós ‘especialistas’ sabemos que assim não é, mas a população em geral terá dificuldade em fazer outra interpretação que não esta”.

A propósito da aplicação do Nutri-Score nas embalagens de cereais de pequeno-almoço, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge levou a cabo um estudo em que concluiu que apesar de o Nutri-Score ter classificado como saudáveis apenas 18% dos 50 cereais de pequeno-almoço avaliados, defende que “os sistemas de rotulagem nutricional simplificada não substituem a declaração nutricional obrigatória, introduzida pelo Regulamento (EU) nº 1169/2011 de 25 de outubro do Parlamento Europeu e do Conselho”, reforçando a ideia de que o Nutri-Score é uma ferramenta de análise direta, mas não deve ser a única.

A presidente do PNAPS reforça a ideia de que o Nutri-Score é “complexo” e que “não é um assunto linear”, porém, e embora reconheça que o algoritmo do Nutri-Score “foi desenvolvido de modo a ser um sistema suficiente permissivo para promover e incentivar a reformulação dos produtos alimentares (por exemplo redução do teor de sal e de açúcar)”, o que, defende, “trará ganhos para a saúde”, esclarece que “esta permissividade do Nutri-Score para algumas categorias permite que alguns produtos alimentares fiquem excessivamente bem classificados”. E dá um exemplo: “Não me parece adequado que cereais de pequeno-almoço com cerca de 25g de açúcar por 100g possam ser classificados com uma cor verde, independentemente da quantidade de fibra que possam conter”, algo que “pode ser mesmo uma mensagem conflitante com as recomendações para uma alimentação saudável. Isto pode ser ainda mais preocupante, na medida em que a evidência científica nos mostra que uma classificação ‘verde’ num alimento tem uma maior capacidade de incentivar o seu consumo, comparativamente ao poder que um ‘vermelho’ tem em desincentivar o seu consumo. São precisamente estes riscos e benefícios que necessitam de ser ponderados para uma tomada de decisão”.

Mais do que um modelo, apostar no conhecimento

Os especialistas consultados pela VISÃO não hesitaram em afirmar que a rotulagem nutricional simplificada é mais vantajosa do que os rótulos atuais, mas frisaram que o sucesso deste tipo de sistema, incluindo o Nutri-Score que a DECO quer ver implementado em Portugal, depende sempre da literacia alimentar de cada pessoa, algo que se consegue com campanhas, sobretudo junto dos mais novos.

Para a docente Joana Sousa, não há modelos perfeitos e o Nutri-Score deve ser visto, acima de tudo, “como uma ferramenta de educação alimentar importante, mas não podemos considerar que resolveremos o problema em Portugal com a sua implementação”, ou seja, mais do que a solução para melhores escolhas alimentares, “o modelo serve de complemento e facilitador da literacia alimentar”. Diz a especialista que “antes de tudo, o consumidor terá de estar consciente e informado dos princípios de alimentação saudável e equilibrada”, uma vez que “este ou qualquer outro modelo não são ‘a’ ferramenta, por si só, capaz de garantir uma alimentação saudável e equilibrada”, devendo haver uma aposta séria não só no aumento de conhecimento por parte dos consumidores, mas também no acompanhamento deste tipo de medidas e na discussão das mesmas, algo que Pedro Graça defende que deve ser feito de forma independente, por mediadores “sem interesses” e “sem influência dos lobby da alimentação”.

“Comparado com outros modelos de rotulagem, nomeadamente o que é usado no México [rotulagem de advertência, semelhante à do Chile e também adotada no Uruguai e Peru], não sei se [o Nutri-Score] será melhor e penso que havendo a sua adoção deve haver um debate muito sério sobre como é que se poderia a nível europeu adotar este sistema de rotulagem”, diz Helena Trigueiro, que volta a lamentar a falta de discussão sobre o assunto. “Deve haver algum debate face a isso e arranjar estratégias para colmatar estas falhas e estas zonas cinzentas do Nutri-Score”. Para a também investigadora no NNEdPro Global Centre for Nutrition and Health, o Nutri-Score não deve ser uma “discussão fechada”, todos os seus aspetos devem ser avaliados, uma vez que, defende, “não podemos uma visão unicamente focada no consumidor, temos de ter a voz da academia, da ciência, das organizações que defendem o padrão alimentar mediterrânico, os representantes dos profissionais da nutrição e a visão dos produtos, dos vários intervenientes. Isso sim é urgente”.

Fonte: Visão

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