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Alimentos à base de plantas melhoram a saúde e o ambiente
2023-10-12

Segundo Eric Lambin, membro do Grupo de Conselheiros Científicos Principais da Comissão Europeia, uma mudança nos regimes alimentares é fundamental para combater a obesidade e as alterações climáticas.

A saúde humana está indissociavelmente ligada à alimentação e ao ambiente. O mundo, incluindo a Europa, enfrenta situações de emergência nas três frentes.

O atual sistema alimentar prejudica a saúde das pessoas ao contribuir para a obesidade e destrói o ambiente ao provocar, entre outras, emissões de gases com efeito de estufa e perda de biodiversidade.

Tendo em conta os desafios e os riscos elevados, a revista Horizon planeia uma série de artigos em cinco partes, até ao final de 2023, sobre "alimentação sustentável". O objetivo é realçar as promessas de introduzir melhorias fundamentais neste domínio, nomeadamente com a ajuda da investigação e da inovação.

O início da série de hoje prepara o terreno com uma entrevista com Eric Lambin, professor de geografia e ciências da sustentabilidade na Universidade Católica de Lovaina na Bélgica. Lambin é também membro do Grupo de Conselheiros Científicos Principais (GCSA) da Comissão Europeia, que produziu um parecer científico em junho de 2023, intitulado "Towards Sustainable Food Consumption" [Rumo a um consumo alimentar sustentável]. O parecer foi solicitado pela Comissária Europeia da Saúde e Segurança dos Alimentos, Stella Kyriakides.

Os artigos seguintes desta série centrar-se-ão nas mudanças alimentares, nos sistemas alimentares urbanos, no microbioma e no papel da legislação.

1. A alimentação, a saúde e a sustentabilidade estão ligadas há milhares de anos. Porque é que as pessoas atualmente devem prestar especial atenção a este domínio?

Atualmente, enfrentamos uma crise de saúde pública, com problemas generalizados de excesso de peso, obesidade e subnutrição, e uma crise ambiental global.

Atualmente, a pecuária é responsável por mais de 14 % das emissões de gases com efeito de estufa provadas pelos humanos, o que representa mais do que as emissões de todos os automóveis e camiões do mundo. A produção de carne, especialmente de carne de vaca, contribui diretamente para as alterações climáticas através das emissões de metano e indiretamente através da conversão de florestas tropicais para pastagens e produção de alimentos para animais. A conversão de florestas não só aumenta as emissões como também provoca a perda de biodiversidade. Imaginamos que a maior parte dos campos verdes por onde passamos são culturas para os humanos comerem, quando, na verdade, dois terços dos terrenos agrícolas do mundo são pastagens e 40% das terras de cultivo são para alimentação animal.

O nosso parecer científico apela a alterações em todo o sistema para corrigir esta situação.

2. O que significaria concretamente um sistema alimentar mais sustentável?

Para a maioria dos europeus, os regimes alimentares deveriam ser mais baseados em vegetais, uma vez que são frequentemente demasiado ricos em carne e produtos lácteos, que têm uma pegada ambiental muito mais elevada do que alimentos à base de vegetais.

Para mudar para um regime alimentar mais saudável e sustentável, recomenda-se o consumo de mais leguminosas, frutas, vegetais, frutos secos e sementes e menos carne, especialmente carne vermelha e transformada, menos alimentos ricos em gorduras saturadas, sal e açúcar, menos snacks com fracas qualidades nutricionais e menos alimentos ultraprocessados, bebidas açucaradas e bebidas alcoólicas.

3. Que papel pode a UE desempenhar para garantir que os alimentos são mais saudáveis e ecológicos?

O parecer científico recomenda que as medidas políticas destinadas a alterar o comportamento dos consumidores devem centrar-se em todo o "ambiente alimentar". Trata-se de qualquer local onde as pessoas obtêm, comem e discutem a sua alimentação.

Assim, as medidas políticas devem dirigir-se não só aos consumidores, mas também aos fornecedores, fabricantes, distribuidores e retalhistas de alimentos. As competências necessárias para acelerar a transição para regimes alimentares mais sustentáveis e saudáveis estão distribuídas a todos os níveis de governação, desde a UE aos Estados-Membros, regiões e municípios.

A UE pode fornecer orientações, ajustar os subsídios, desenvolver rótulos, expandir o seu regime atual de fixação de preços do carbono, entre outros, e encorajar os Estados-Membros a agirem ao seu nível.

4. O que recomenda o GCSA em termos de ação da UE neste domínio?

A UE deve adotar uma combinação de políticas complementares baseadas na fixação de preços, informações e regulamentação.

Os regimes alimentares saudáveis e sustentáveis devem ser a escolha mais fácil e mais económica. Os Estados-Membros da UE devem considerar novos incentivos, incluindo a redução do imposto sobre o valor acrescentado aplicável às frutas e aos vegetais, bem como os desincentivos como os impostos sobre a carne e o açúcar.

A prestação de informações fiáveis sobre os impactos ambientais e sanitários dos diferentes alimentos facilita a tomada de decisões saudáveis e sustentáveis por parte dos consumidores. Trata-se de questões como a literacia alimentar, as orientações dietéticas nacionais e a rotulagem na frente da embalagem.

As novas medidas políticas devem também tornar os regimes alimentares saudáveis e sustentáveis mais disponíveis e acessíveis. Significa, por exemplo, a colocação em destaque de produtos saudáveis nos estabelecimentos retalhistas.

5. Que papel desempenha o aconselhamento científico, incluindo o do GCSA, na elaboração de políticas?

O aconselhamento científico apoia a elaboração de políticas com base em dados concretos, através da análise de conclusões científicas sobre um determinado tema, com base em dados científicos de elevada qualidade.

Os conselheiros científicos são intermediários entre a ciência e a política. Devem demonstrar a sua fiabilidade, seguindo um processo transparente e imparcial de análise de provas. O GCSA trabalha em estreita colaboração com o consórcio Science Advice for Policy by European Academies, ou SAPEA. A SAPEA reúne grupos multidisciplinares dos melhores peritos europeus sobre os temas relativamente aos quais o Colégio de Comissários solicita aconselhamento.

Em questões como os sistemas alimentares, em que fortes interesses instalados exercem influência na elaboração de políticas, é essencial fornecer recomendações independentes e baseadas na ciência.

6. Como é que os consumidores podem contribuir para a mudança?

Os consumidores podem contribuir através de decisões de compra bem informadas e coerentes com os seus valores.

Mas os modelos de mudança comportamental reconhecem que a motivação por si só não é suficiente para modificar as dietas. Os consumidores também precisam de ter a capacidade e a oportunidade de adotar novos comportamentos.

Os comportamentos dos consumidores são influenciados tanto por fatores pessoais – como preferências de gosto, atitudes e conhecimentos – como por fatores externos, principalmente o preço, a informação e as normas sociais e culturais.

Todos os fatores devem ser tidos em conta. Daí a necessidade de uma série de medidas diversas que visem todo o ambiente alimentar e que se complementem entre si.

7. Qual deve ser o equilíbrio entre o comércio de géneros alimentícios internacional e local?

As provas mostram que os alimentos produzidos localmente nem sempre são mais sustentáveis do que os alimentos importados do estrangeiro. Por exemplo, alguns legumes cultivados na Europa em estufas podem utilizar mais energia do que os legumes cultivados em África.

No entanto, para promover o consumo sustentável, a UE poderia restringir as importações de produtos alimentares provenientes de locais onde a produção alimentar causa grandes danos ambientais, por exemplo, alimentos provenientes de ecossistemas ricos em biodiversidade e densos em carbono, culturas que exigem muita água produzidas em zonas com escassez de água e marisco proveniente de unidades populacionais geridas de forma insustentável.

Algumas destas restrições já estão abrangidas pela nova legislação da UE relativa a produtos não associados à desflorestação.

8. Como pode a UE ajudar a garantir que os pequenos agricultores sejam tratados de forma justa?

As explorações de pequena dimensão podem ter dificuldade em adaptar-se à nova regulamentação, uma vez que podem não ter capacidade para investir em novas práticas e sistemas de produção.

No entanto, desempenham um papel fundamental em algumas regiões europeias no fornecimento de alimentos, na manutenção de paisagens e na manutenção da atratividade social das zonas rurais.

Os pequenos agricultores nem sempre estão tão bem representados nos diálogos políticos entre as várias partes interessadas como os seus homólogos de maior dimensão. Por conseguinte, as novas medidas políticas devem prever os possíveis efeitos adversos nas explorações de pequena dimensão e ser monitorizadas e revistas periodicamente para garantir que não têm consequências indesejadas.

9. Quais são os principais desafios sociais e políticos à mudança?

Como em qualquer processo de transformação, há resistência por interesses instalados que beneficiam do status quo. É fundamental criar um ambiente que permita a todas as partes interessadas trabalhar em prol de uma alimentação saudável e sustentável.

Esta abordagem pode também ajudar a ultrapassar a oposição daqueles que lucram com o sistema atual, incluindo algumas grandes organizações do setor privado com vozes poderosas. Por exemplo, os representantes da indústria alimentar têm muitos mais recursos para defender a sua causa do que, por exemplo, as gerações futuras, criando assim um desequilíbrio no debate.

As organizações da sociedade civil desempenham um papel importante na representação daqueles que não têm voz.

10. Que papel desempenha o bem-estar dos animais em tudo isto?

O bem-estar dos animais é uma dimensão ética fundamental da sustentabilidade. É também central para uma perspetiva de "Uma só saúde" que integra a saúde das pessoas, dos animais e do ambiente.

As pessoas adotam regimes alimentares à base de plantas por motivos de saúde, ambientais e/ou de bem-estar animal. As três motivações são igualmente importantes e apontam na mesma direção: diminuir o consumo de produtos de origem animal e diminuir a criação intensiva de animais.

Isto cria uma oportunidade para as empresas que se concentram em produtos de qualidade e em normas elevadas de bem-estar animal. Por exemplo, um imposto sobre a carne enquadrado como uma "taxa de bem-estar animal" pode ser socialmente mais aceitável do que um imposto ambiental.

Fonte: Jornal de Notícias

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