27 de Dezembro de 2024
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Assar castanhas, reciclar nozes: transformar as guloseimas festivas em novos materiais sustentáveis
2024-12-24

Investigadores financiados pela UE estão a explorar a forma de produzir novos materiais fortes e sustentáveis a partir de cascas de nozes difíceis de quebrar.

As cascas das nozes contêm células com estruturas de interbloqueio únicas que as tornam interessantes para serem transformadas em materiais fortes e biodegradáveis.

A Dra. Notburga Gierlinger, uma investigadora austríaca especializada no estudo da estrutura e composição de materiais vegetais, é particularmente fascinada pelos frutos secos.

Quando se depara com um pistácio ou uma noz, abre-os com cautela, intrigada com a forma como a natureza conseguiu criar materiais tão fortes.

“As cascas são tão duras que tenho sempre medo de usar os dentes para não os danificar”, disse Gierlinger, professora associada de ciência dos materiais na Universidade BOKU de Recursos Naturais e Ciências da Vida em Viena, Áustria.

Parte do puzzle

Uma das principais áreas de investigação de Gierlinger inclui a utilização de uma técnica chamada espectroscopia Raman para estudar a distribuição da lenhina, da celulose e de outras biomoléculas nas paredes celulares das plantas. O objetivo é compreender as suas propriedades e funções mecânicas.

Uma investigação mais aprofundada durante um projeto de investigação de cinco anos apoiado pela UE, denominado SCATAPNUT, levou Gierlinger e a sua equipa a descobrir que as cascas de frutos secos, como o pistácio e a noz, contêm células de puzzle em 3D - células que têm estruturas únicas interligadas, semelhantes às peças de um puzzle. Este facto contribui para a sua resistência e durabilidade invulgares.

Intrigada com as suas descobertas, Gierlinger está agora a liderar mais investigação financiada pela UE num projeto chamado PUZZLE MATERIALS, que está a investigar como fazer materiais funcionais para aplicações industriais a partir de cascas de pistácio e de noz.

A presença das células puzzle significa que as cascas das nozes oferecem propriedades diferentes das fibras normalmente encontradas em plantas como o cânhamo e a madeira. Gierlinger e a sua equipa estão atualmente a explorar os tipos de novos materiais que podem ser criados a partir das cascas de nozes, bem como as melhores formas de as utilizar.

As caraterísticas específicas das células do puzzle tornam-nas particularmente interessantes para a transformação em bioplástico biodegradável.

A sustentabilidade é a prioridade

Em 2020, a UE adotou um novo plano de ação para a economia circular como parte do Pacto Ecológico Europeu. Este plano inclui o apoio à conceção de novos materiais que reduzam os resíduos e a pressão sobre o ambiente.

A proposta de Gierlinger prevê a utilização de um resíduo atual - as cascas de nozes - para criar novos materiais que poderão substituir os plásticos, oferecendo assim um duplo benefício ambiental.

Com a produção média europeia de cerca de 186,5 kg de resíduos de embalagens em 2022, os materiais reutilizáveis e compostáveis são agora mais necessários do que nunca. Gierlinger espera que um material produzido a partir de cascas de nozes possa ser uma das muitas soluções que contribuem para a redução dos resíduos de plástico na Europa e no mundo.

“Penso que as nogueiras poderão tornar-se mais importantes no futuro, porque são árvores resistentes e resilientes, com boa madeira e nozes saudáveis”, afirmou. “Estamos sempre a tentar pensar quais os produtos que podem tornar-se mais importantes numa sociedade sustentável.”

A sua proposta também se enquadra bem no quadro voluntário europeu “seguro e sustentável desde a conceção”, desenvolvido para orientar o processo de inovação para produtos químicos e materiais mais seguros e sustentáveis.

Um processo sustentável

Gierlinger e a sua equipa de investigação estão a procurar formas de processar as cascas descartadas que sejam simultaneamente eficientes e amigas do ambiente. O primeiro passo é dissolver as cascas de noz num solvente para separar as células e regenerar a lenhina.

A celulose proveniente de resíduos do processamento de kombucha ou de bioreactores é também adicionada à massa resultante em diferentes volumes, dependendo da flexibilidade desejada para o produto final. Os investigadores estão a estudar diferentes opções de materiais para as nozes, incluindo um produto semelhante ao couro e outro mais parecido com o plástico.

O objetivo é produzir materiais de nozes sustentáveis, eficientes em termos energéticos, eficientes em termos de recursos e biodegradáveis, com uma pegada ambiental e de carbono reduzida, especificamente concebidos para os sectores das embalagens e dos têxteis.

Paraskevi Charalambous, uma cientista bioquímica e de materiais da BOKU, faz parte da equipa de investigação que trabalha neste processo. Uma das suas contribuições notáveis inclui a investigação de solventes com um ponto de fusão muito baixo.

A intenção é encontrar um solvente que possa ser reciclado, algo que Charalambous admite ter sido um desafio.

“Não tem sido fácil recuperar o produto químico que utilizamos na sua forma original”, afirmou.

Foram feitos progressos significativos desde o início do projeto em 2023 e os investigadores conseguiram produzir várias amostras, incluindo uma amostra de uma carteira em pele de noz.

A grande vantagem do material, quer acabe por ser couro ou plástico, é o facto de ser reciclável e compostável. Normalmente, os materiais compósitos - uma combinação de dois materiais com propriedades diferentes - são difíceis de reciclar porque são adicionados outros químicos para ajustar a função do material.

O processo utilizado neste caso não o faz, pelo que o produto pode ser dissolvido novamente e reutilizado. Gierlinger também disse que é possível compostar o material, se necessário, embora ela promova a reutilização e a reciclagem em primeiro lugar.

Depois de decidir qual o melhor caminho a seguir, o objetivo será então colocar estes novos materiais de nozes em produção. “O próximo passo seria tentar encontrar algumas empresas interessadas”, disse Gierlinger.

A investigação deste artigo foi financiada pelo Conselho Europeu de Investigação (CEI). As opiniões dos entrevistados não refletem necessariamente as da Comissão Europeia.

Fonte: Horizon e Qualfood

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